Antes de
qualquer coisa, quero alertar aos mais românticos que vou expressar nessa
crônica toda a minha visão pessimista da vida. Principalmente da vida a dois. Estamos
muito (mal) acostumados a ver nas comédias românticas casais apaixonados
alegres e sorridentes enquanto rolam na grama e correm na chuva; ou mesmo enquanto
realizam tarefas mais triviais como pintar a parede da casa nova para onde
acabaram de se mudar, sujando um ao outro de tinta enquanto caem na gargalhada.
Quem nunca viu uma cena como essa? Só
quem nunca viu uma comédia romântica. É claro que não se pode perder de vista
que esse é um recurso narrativo do cinema para expressar a felicidade que esse
casal está sentindo apenas por estar na companhia um do outro. Então o diretor
os mostra felizes de compartilhar até as tarefas mais chatas, que ficam
envolvidas em um clima romântico. Não são as tarefas em si que importam, mas
sim o que sentem um pelo outro que transborda, tornando-as românticas. Mas,
passando da arte para a vida real, me arrisco a dizer que só os vemos felizes e
sorridentes porque os flagramos enquanto compartilham essas tarefas pela
primeira vez. Porque todas elas vão perdendo um pouco a graça a cada vez que o
casal as repetem. Todas. Sem exceção. Mesmo correr na chuva ou rolar na grama.
O que dizer de pintar a parede então? Posso apostar que da terceira ou quarta
vez que eles rolarem na grama, eles já estarão mais preocupados se aquele mato
não vai dar uma puta coceira pelos próximos dois dias. E da terceira ou quarta
vez que eles precisarem pintar as paredes da casa, eles vão preferir contratar
um pintor e dormir fora para fugir do cheiro de tinta. E lá se foi o romantismo. Ou não... no caso
específico de dormir fora.
O fato é que a
repetição mata o romantismo. E é por isso que é tão difícil manter o romantismo
em relacionamentos longos. Falando na prática, um relacionamento longo
(poderíamos chamar de casamento) é, antes de qualquer coisa, uma infinita
repetição de tarefas cotidianas: cozinhar, pagar contas, lavar, pagar contas,
varrer, pagar contas, arrumar a casa, pagar contas, ir ao mercado, pagar contas...
... ... eu já mencionei pagar contas? Se é legal compartilhar essas tarefas
pela primeira vez com a pessoa que escolhemos para viver junto, com o tempo
essa repetição é a grande responsável por acabar com o romance no casamento. Mesmo
aquela tarefa que talvez seja a expressão do auge da felicidade dos casais
recém-casados: montar a casa nova. Você vai finalmente morar com a pessoa que
ama (ou pensa que ama), vão dividir o teto, a cama, seus horários, a sua vida
enfim. Da primeira vez é possível que tudo te anime: escolher móveis, a cor das
cortinas, a cor das paredes, comprar jogos de panelas, pratos e copos, etc. Mas,
como me disse certa vez um amigo, uma mudança equivale a dois terremotos. E a
cada vez que você precisar desmontar a casa e montar uma casa nova pode estar
certo que a brincadeira vai perdendo um pouco a graça e virando dor de cabeça.
E se a cortina despenca da parede pela terceira vez em seis meses e você tem
que voltar a pregá-la, não haverá romantismo que evite que você solte uma boa
meia-dúzia de palavrões. Com certeza, você e seu amor não estarão felizes e
sorridentes ao fazê-lo. Ao contrário do que vemos nas comédias românticas.
Mas não se
desespere. Pelo menos não ainda. Porque há saídas para evitar que a rotina
acabe com o romantismo do relacionamento. Os casais costumam utilizar duas
estratégias para isso: a primeira é sempre inventar experiências novas. Dotar o
seu relacionamento de sempre novas “primeiras vezes”. Obviamente, depois de uns
dez anos juntos isso pode ficar difícil e exigir bastante da criatividade dos
dois. Mas sempre haverá coisas novas a se fazer. Basta que não se tenha medo de
experimentar. A segunda estratégia consiste em reviver as memórias das primeiras
experiências juntos. Alguns casais fazem isso revisitando periodicamente a
cidade onde passaram a lua-de-mel, ou lugares que recordam bons momentos que
passaram juntos; outros gostam apenas de olhar as fotos desses momentos, ou
quem sabe coloca-las em um porta-retratos onde estejam sempre visíveis para que
aquele momento não fuja da memória. Essa estratégia pode ser mais fácil que a
primeira, mas também é mais traiçoeira do que aparenta de início. O fato é que
alguns relacionamentos só se mantem pela nostalgia de um passado feliz. E como
a memória é uma constante reconstrução do passado (e não a sua mera
recordação), ninguém poderá dizer que eles foram realmente felizes no passado. Nem
eles mesmos. Ou se essas recordações felizes são uma (re)construção que visa
apenas afastar a infelicidade do presente. O curioso é que, muitas vezes, essas
estratégias são usadas inconscientemente. O casal está apenas buscando
recuperar aquilo que ele acha que perdeu pelo caminho, depois de muito tempo
vivendo juntos.
Obviamente que
a minha intenção nesse texto não é dar conselhos para melhorar a vida a dois.
Eu talvez seja a última pessoa para quem se deve pedir esse tipo de conselho,
aliás. Mas o que eu sei é que se não estivermos preparados para enfrentar a
rotina e os altos e baixos da vida a dois, vai ser muito fácil deixar o relacionamento
naufragar diante das tarefas cotidianas infinitamente repetidas. Talvez seja
por isso que muitos relacionamentos não têm um fim formal. Eles se acabam aos
poucos sem que nenhum dos dois lados perceba.
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