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segunda-feira, 31 de março de 2014

ANÁLISES SUPERFICIAIS

Nesse texto vou desenvolver algumas ideias que já citei de passagem no texto de apresentação desse blog. Por isso, me desculpo desde já se parecer repetitivo em alguns pontos. Dentre muitas outras coisas, algo que tem me incomodado bastante nas redes sociais é ver como o brasileiro tem se contentado com análises superficiais e respostas fáceis para qualquer assunto. Pode ser a análise de um filme, de um livro ou da situação política, econômica e social do país. As análises que vemos são, na maioria das vezes, as mais superficiais possíveis. O camarada  vê um post sobre o assunto do dia e imediatamente, sem parar para pensar cinco minutos, solta um comentário que é o mais superficial possível. Geralmente, repetindo preconceitos ou bobagens que ele ouviu por aí ou que a cabeça fértil dele inventou.  
Acredito que alguns fatores concorrem para essa atitude. A primeira é uma certa dose de indigência mental ou, dito de outra forma, de preguiça de pensar. Nas redes sociais assim como fora delas, o brasileiro médio tem o hábito de emitir juízos sem nem ao menos saber do que está falando. Tem preguiça de ler, de se informar e, principalmente de pensar sobre os problemas. Em vez de correr atrás da informação, prefere que o Jornal Nacional mastigue os problemas para ele. Para que, tomando aquilo como “a verdade dos fatos”, possa emitir um juízo superficial e uma resposta fácil sobre o problema. Seja ele qual for. A segunda é uma atitude conformista frente aos problemas. A naturalização das coisas. Como se não valesse a pena perder tempo pensando ou falando sobre algo que não pode ser mudado. A terceira é a facilidade de dar opiniões propiciada pelas redes sociais. Nas redes sociais eu não preciso debater sobre aquilo que afirmo se eu não quiser. Porque, na verdade, eu não estou falando com ninguém em particular e com todo mundo ao mesmo tempo. Eu estou apenas digitando uma frase no meu teclado. Por mais que pareça, a interação virtual não é como uma interação real. Especialistas no assunto já chamaram bastante a atenção para a diferença de comportamento no ambiente virtual e no ambiente real.
Essa conjunção de fatores é a maior responsável pelos muitos juízos preconceituosos que vemos diariamente nas redes sociais. No ambiente virtual, na maior parte das vezes, eu posso evitar as consequências dos juízos que emito. Eu não preciso justificar minha opinião. Posso apenas emiti-la e mudar de página ou desligar o computador. E se alguém questioná-la, digo que é a minha opinião e pronto. Como fez o piloto coxinha da Avianca nessa semana, que conseguiu ofender 53 milhões de pessoas ao mesmo tempo, afirmando que o Nordeste é um "lugar escroto com um povo nojento".  Obviamente que ele só escreveu isso porque não estava cara a cara com nenhum nordestino. Porém, parece esquecer que seria lido por muitos. Inclusive por alguns colegas de trabalho. Nesse caso específico, porém, assim como no caso da professora da PUC-Rio que se incomodou com um passageiro de chinelo e bermuda no aeroporto do Rio, creio que essas pessoas terão que arcar com as consequencias daquilo que disseram:

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/03/piloto-que-xingou-nordestinos-e-demitido-da-avianca.html
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/02/professora-da-puc-que-humilhou-passageiro-e-afastada-de-cargo.html

 De todos os juízos que podemos fazer sobre alguma coisa/pessoa, o juízo estético é o mais superficial. Para dizer que uma coisa ou uma pessoa é bonita ou feia não precisamos mais do que alguns segundos olhando para ela. Não é preciso ter contato algum de nenhuma outra espécie com aquilo: não é preciso saber quem é aquela pessoa, o que ela faz, para que serve aquele objeto, etc. Nada disso. Basta pousar o olhar e emitir o julgamento: me agrada ou não. Por isso, sempre digo que chamar uma pessoa de bonita é o elogio mais superficial que você pode fazer a ela. Qualquer outro juízo sobre aquela pessoa ou coisa demanda um contato mais próximo e alguns minutos de reflexão. Para saber se uma pessoa é legal ou chata você precisa conversar um pouco com ela ou, ao menos, ouvi-la falar. Para saber sobre o seu caráter, você tem que observar o seu comportamento e comparar com seus próprios valores morais. Para saber se determinada coisa é funcional você tem que saber para que serve e tentar utilizá-la. São juízos que demandam um pouco mais de esforço daquele que o emite. E, talvez por isso, juízos estéticos é o que mais vemos nas redes sociais. E raramente algo além disso. É bonito ou é feio e pronto! E, obviamente, não me refiro aqui à bonito ou feio como expressão de valores morais, como faziam os gregos clássicos. Apenas juízo estético e mais nada.
 Como o caso da reforma do Maracanã, que comentei nesse post. Nas discussões que li nas redes sociais vi muita gente aprovando as obras porque o estádio estava ficando bonito. Então, é isso que importa ao fim e ao cabo? Se vai ficar bonito ou não? Não importa discutir se a obra, feita com dinheiro público, era necessária (sempre vale a pena lembrar que o que é público é de todo mundo, meu e seu. E não de ninguém, como muitas pessoas acham). Se o orçamento apresentado para a obra condiz com o que estava sendo efetivamente realizado. Se as obras estavam respeitando a condição do estádio de patrimônio cultural tombado, etc. Ou seja, o simples juízo estético exclui uma série de outras questões muito mais importantes na compreensão do problema.
Do pouco que absorvi da minha fracassada graduação em Filosofia, o legado mais importante talvez tenha sido o hábito de pensar profundamente sobre os assuntos. Qualquer assunto! Tive uma professora no primeiro período de faculdade (quando eu ainda prestava atenção nas aulas. Ou melhor, quando eu ainda ia às aulas e não ficava no bar em frente à Universidade) que dizia que o filósofo não é aquele sujeito com a cabeça na lua, que quando anda na rua não vê o bueiro aberto na sua frente e cai dentro dele. E sim aquele sujeito que está antenado com o que acontece na sociedade à sua volta e pensa radicalmente sobre tudo o que vê. Ou seja, que procura chegar à raiz dos problemas.  Talvez por isso, esse hábito de emitir opiniões e juízos sem pensar e sem se informar me incomode tanto. Na nossa sociedade atual, pelo contrário, esse cara é o chato. É aquele sujeito que insiste nos assuntos. Que sempre tem um novo argumento. Que acredita que ainda não foi dito tudo seja lá sobre o que for. Que acha há sempre algum aspecto que ainda não foi considerado. Em vez de ser encarado como o sujeito que pode te fazer pensar sobre novos assuntos, que pode te fazer olhar as coisas por um ângulo novo, o filósofo é visto na nossa sociedade como o chato verborrágico. Aquele que deveria calar a boca porque ninguém está prestando atenção nele.  Ele incomoda porque nos força a deixar de lado, mesmo que por alguns momentos, a nossa indigência mental. Nos obriga a pensar. E pensar dói. Principalmente para aquelas pessoas que não estão acostumadas. 

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