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domingo, 6 de abril de 2014

IPEA E PETROBRÁS

Quando você pensa que nada mais pode te surpreender, você sempre se depara com alguma coisa nas redes sociais que te faz perceber que o fundo do poço é muito mais embaixo. Já foi ruim saber, pela primeira divulgação dos resultados de uma pesquisa sobre a violência contra a mulher feita pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que mais de 60% da nossa sociedade acha que mulher que usa roupa curta merece ser estuprada. Pior ainda foi a correção posterior dos resultados pelo mesmo Instituto, onde aqueles 60% se transformaram em 26%. Correção que, na verdade, não muda nada, tornando a emenda pior do que o soneto (e que, sinceramente, me pareceu muito mais motivada pela repercussão negativa da primeira divulgação do que pela necessidade de corrigir um erro). Mas algo que começou a ser compartilhado nas redes sociais nessa semana conseguiu superar tudo isso. É a ideia de que a divulgação dos resultados dessa pesquisa teria sido feita nesse momento apenas para desviar a atenção da opinião pública de um escândalo bilionário de corrupção na Petrobrás. Como se os resultados da pesquisa, que revelaram uma face brutal do machismo existente na nossa sociedade, fosse só uma cortina de fumaça utilizada pelo malvado Governo Dilma para encobrir o “problema real” que é o escândalo da Petrobrás. Pelo jeito, na cabeça de boa parcela da nossa população, mulher que usa roupa curta não só merece ser estuprada como esse é um “problema menor” frente aos problemas de corrupção. Como se a existência de uma cultura do estupro não fosse um problema tão ruim quanto, ou mesmo pior, do que a existência de uma cultura de apropriação e dilapidação do patrimônio público. O Brasil deve ser o único país do mundo onde se mascara o ruim com o pior. Pior sim! Porque o machismo mata mulheres todos os dias, enquanto o escândalo da Petrobrás é apenas mais um caso de corrupção no meio de tantos outros. 
Algumas pessoas podem argumentar que a corrupção é pior porque afeta a sociedade como um todo, enquanto o machismo atingiria apenas uma parcela da população. Se você pensa assim, provavelmente, é porque faz parte da parcela que não é afetada pelo cotidianamente pelo machismo. Ou melhor, pensa que faz. Porque essa parcela não existe. O machismo não é um problema só das mulheres. É um problema para os homens também. É um problema de toda a sociedade. algumas pessoas acham que não existe machismo no Brasil. E que o machismo é criado pelas próprias mulheres. Principalmente por “feministas mal-amadas”. Nada mais machista do que esse pensamento. Entre essas pessoas certamente estão aquelas que acreditam que o machismo é um problema menor, ou que os dados da pesquisa do IPEA são apenas uma cortina de fumaça. E, antes que eu me esqueça, não existe algo chamado “femismo”, como um oposto simétrico do machismo. Como tenho lido por aí. Isso é mais uma criação... do machismo. Assim, não existe essa hierarquização dos problemas sociais que essas pessoas estão criando. Os dois problemas devem ser igualmente combatidos. Até mesmo porque, ao fim e ao cabo, esses dois problemas estão interligados como duas facetas de uma mentalidade privatista onde tanto o patrimônio público quanto as mulheres são vistas como propriedade privada.
Na verdade, está claro para mim que essa ideia só tem a intenção de disseminar o sentimento de que o Governo Dilma está “acabando com o país”. Como se esse governo tivesse inventado a corrupção. Ninguém é obrigado a gostar do Governo Dilma. Eu também não gosto. Mas defender a qualquer custo a ideia de que a Dilma é o pior dos nossos problemas, diminuindo a importância de problemas como o(s) revelado(s) pela pesquisa do IPEA é, no mínimo, uma grande miopia. 

segunda-feira, 31 de março de 2014

ANÁLISES SUPERFICIAIS

Nesse texto vou desenvolver algumas ideias que já citei de passagem no texto de apresentação desse blog. Por isso, me desculpo desde já se parecer repetitivo em alguns pontos. Dentre muitas outras coisas, algo que tem me incomodado bastante nas redes sociais é ver como o brasileiro tem se contentado com análises superficiais e respostas fáceis para qualquer assunto. Pode ser a análise de um filme, de um livro ou da situação política, econômica e social do país. As análises que vemos são, na maioria das vezes, as mais superficiais possíveis. O camarada  vê um post sobre o assunto do dia e imediatamente, sem parar para pensar cinco minutos, solta um comentário que é o mais superficial possível. Geralmente, repetindo preconceitos ou bobagens que ele ouviu por aí ou que a cabeça fértil dele inventou.  
Acredito que alguns fatores concorrem para essa atitude. A primeira é uma certa dose de indigência mental ou, dito de outra forma, de preguiça de pensar. Nas redes sociais assim como fora delas, o brasileiro médio tem o hábito de emitir juízos sem nem ao menos saber do que está falando. Tem preguiça de ler, de se informar e, principalmente de pensar sobre os problemas. Em vez de correr atrás da informação, prefere que o Jornal Nacional mastigue os problemas para ele. Para que, tomando aquilo como “a verdade dos fatos”, possa emitir um juízo superficial e uma resposta fácil sobre o problema. Seja ele qual for. A segunda é uma atitude conformista frente aos problemas. A naturalização das coisas. Como se não valesse a pena perder tempo pensando ou falando sobre algo que não pode ser mudado. A terceira é a facilidade de dar opiniões propiciada pelas redes sociais. Nas redes sociais eu não preciso debater sobre aquilo que afirmo se eu não quiser. Porque, na verdade, eu não estou falando com ninguém em particular e com todo mundo ao mesmo tempo. Eu estou apenas digitando uma frase no meu teclado. Por mais que pareça, a interação virtual não é como uma interação real. Especialistas no assunto já chamaram bastante a atenção para a diferença de comportamento no ambiente virtual e no ambiente real.
Essa conjunção de fatores é a maior responsável pelos muitos juízos preconceituosos que vemos diariamente nas redes sociais. No ambiente virtual, na maior parte das vezes, eu posso evitar as consequências dos juízos que emito. Eu não preciso justificar minha opinião. Posso apenas emiti-la e mudar de página ou desligar o computador. E se alguém questioná-la, digo que é a minha opinião e pronto. Como fez o piloto coxinha da Avianca nessa semana, que conseguiu ofender 53 milhões de pessoas ao mesmo tempo, afirmando que o Nordeste é um "lugar escroto com um povo nojento".  Obviamente que ele só escreveu isso porque não estava cara a cara com nenhum nordestino. Porém, parece esquecer que seria lido por muitos. Inclusive por alguns colegas de trabalho. Nesse caso específico, porém, assim como no caso da professora da PUC-Rio que se incomodou com um passageiro de chinelo e bermuda no aeroporto do Rio, creio que essas pessoas terão que arcar com as consequencias daquilo que disseram:

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/03/piloto-que-xingou-nordestinos-e-demitido-da-avianca.html
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/02/professora-da-puc-que-humilhou-passageiro-e-afastada-de-cargo.html

 De todos os juízos que podemos fazer sobre alguma coisa/pessoa, o juízo estético é o mais superficial. Para dizer que uma coisa ou uma pessoa é bonita ou feia não precisamos mais do que alguns segundos olhando para ela. Não é preciso ter contato algum de nenhuma outra espécie com aquilo: não é preciso saber quem é aquela pessoa, o que ela faz, para que serve aquele objeto, etc. Nada disso. Basta pousar o olhar e emitir o julgamento: me agrada ou não. Por isso, sempre digo que chamar uma pessoa de bonita é o elogio mais superficial que você pode fazer a ela. Qualquer outro juízo sobre aquela pessoa ou coisa demanda um contato mais próximo e alguns minutos de reflexão. Para saber se uma pessoa é legal ou chata você precisa conversar um pouco com ela ou, ao menos, ouvi-la falar. Para saber sobre o seu caráter, você tem que observar o seu comportamento e comparar com seus próprios valores morais. Para saber se determinada coisa é funcional você tem que saber para que serve e tentar utilizá-la. São juízos que demandam um pouco mais de esforço daquele que o emite. E, talvez por isso, juízos estéticos é o que mais vemos nas redes sociais. E raramente algo além disso. É bonito ou é feio e pronto! E, obviamente, não me refiro aqui à bonito ou feio como expressão de valores morais, como faziam os gregos clássicos. Apenas juízo estético e mais nada.
 Como o caso da reforma do Maracanã, que comentei nesse post. Nas discussões que li nas redes sociais vi muita gente aprovando as obras porque o estádio estava ficando bonito. Então, é isso que importa ao fim e ao cabo? Se vai ficar bonito ou não? Não importa discutir se a obra, feita com dinheiro público, era necessária (sempre vale a pena lembrar que o que é público é de todo mundo, meu e seu. E não de ninguém, como muitas pessoas acham). Se o orçamento apresentado para a obra condiz com o que estava sendo efetivamente realizado. Se as obras estavam respeitando a condição do estádio de patrimônio cultural tombado, etc. Ou seja, o simples juízo estético exclui uma série de outras questões muito mais importantes na compreensão do problema.
Do pouco que absorvi da minha fracassada graduação em Filosofia, o legado mais importante talvez tenha sido o hábito de pensar profundamente sobre os assuntos. Qualquer assunto! Tive uma professora no primeiro período de faculdade (quando eu ainda prestava atenção nas aulas. Ou melhor, quando eu ainda ia às aulas e não ficava no bar em frente à Universidade) que dizia que o filósofo não é aquele sujeito com a cabeça na lua, que quando anda na rua não vê o bueiro aberto na sua frente e cai dentro dele. E sim aquele sujeito que está antenado com o que acontece na sociedade à sua volta e pensa radicalmente sobre tudo o que vê. Ou seja, que procura chegar à raiz dos problemas.  Talvez por isso, esse hábito de emitir opiniões e juízos sem pensar e sem se informar me incomode tanto. Na nossa sociedade atual, pelo contrário, esse cara é o chato. É aquele sujeito que insiste nos assuntos. Que sempre tem um novo argumento. Que acredita que ainda não foi dito tudo seja lá sobre o que for. Que acha há sempre algum aspecto que ainda não foi considerado. Em vez de ser encarado como o sujeito que pode te fazer pensar sobre novos assuntos, que pode te fazer olhar as coisas por um ângulo novo, o filósofo é visto na nossa sociedade como o chato verborrágico. Aquele que deveria calar a boca porque ninguém está prestando atenção nele.  Ele incomoda porque nos força a deixar de lado, mesmo que por alguns momentos, a nossa indigência mental. Nos obriga a pensar. E pensar dói. Principalmente para aquelas pessoas que não estão acostumadas. 

segunda-feira, 17 de março de 2014

ROMANTISMO E ROTINA

Antes de qualquer coisa, quero alertar aos mais românticos que vou expressar nessa crônica toda a minha visão pessimista da vida. Principalmente da vida a dois. Estamos muito (mal) acostumados a ver nas comédias românticas casais apaixonados alegres e sorridentes enquanto rolam na grama e correm na chuva; ou mesmo enquanto realizam tarefas mais triviais como pintar a parede da casa nova para onde acabaram de se mudar, sujando um ao outro de tinta enquanto caem na gargalhada.      Quem nunca viu uma cena como essa? Só quem nunca viu uma comédia romântica. É claro que não se pode perder de vista que esse é um recurso narrativo do cinema para expressar a felicidade que esse casal está sentindo apenas por estar na companhia um do outro. Então o diretor os mostra felizes de compartilhar até as tarefas mais chatas, que ficam envolvidas em um clima romântico. Não são as tarefas em si que importam, mas sim o que sentem um pelo outro que transborda, tornando-as românticas. Mas, passando da arte para a vida real, me arrisco a dizer que só os vemos felizes e sorridentes porque os flagramos enquanto compartilham essas tarefas pela primeira vez. Porque todas elas vão perdendo um pouco a graça a cada vez que o casal as repetem. Todas. Sem exceção. Mesmo correr na chuva ou rolar na grama. O que dizer de pintar a parede então? Posso apostar que da terceira ou quarta vez que eles rolarem na grama, eles já estarão mais preocupados se aquele mato não vai dar uma puta coceira pelos próximos dois dias. E da terceira ou quarta vez que eles precisarem pintar as paredes da casa, eles vão preferir contratar um pintor e dormir fora para fugir do cheiro de tinta.  E lá se foi o romantismo. Ou não... no caso específico de dormir fora.
O fato é que a repetição mata o romantismo. E é por isso que é tão difícil manter o romantismo em relacionamentos longos. Falando na prática, um relacionamento longo (poderíamos chamar de casamento) é, antes de qualquer coisa, uma infinita repetição de tarefas cotidianas: cozinhar, pagar contas, lavar, pagar contas, varrer, pagar contas, arrumar a casa, pagar contas, ir ao mercado, pagar contas... ... ... eu já mencionei pagar contas? Se é legal compartilhar essas tarefas pela primeira vez com a pessoa que escolhemos para viver junto, com o tempo essa repetição é a grande responsável por acabar com o romance no casamento. Mesmo aquela tarefa que talvez seja a expressão do auge da felicidade dos casais recém-casados: montar a casa nova. Você vai finalmente morar com a pessoa que ama (ou pensa que ama), vão dividir o teto, a cama, seus horários, a sua vida enfim. Da primeira vez é possível que tudo te anime: escolher móveis, a cor das cortinas, a cor das paredes, comprar jogos de panelas, pratos e copos, etc. Mas, como me disse certa vez um amigo, uma mudança equivale a dois terremotos. E a cada vez que você precisar desmontar a casa e montar uma casa nova pode estar certo que a brincadeira vai perdendo um pouco a graça e virando dor de cabeça. E se a cortina despenca da parede pela terceira vez em seis meses e você tem que voltar a pregá-la, não haverá romantismo que evite que você solte uma boa meia-dúzia de palavrões. Com certeza, você e seu amor não estarão felizes e sorridentes ao fazê-lo. Ao contrário do que vemos nas comédias românticas.
Mas não se desespere. Pelo menos não ainda. Porque há saídas para evitar que a rotina acabe com o romantismo do relacionamento. Os casais costumam utilizar duas estratégias para isso: a primeira é sempre inventar experiências novas. Dotar o seu relacionamento de sempre novas “primeiras vezes”. Obviamente, depois de uns dez anos juntos isso pode ficar difícil e exigir bastante da criatividade dos dois. Mas sempre haverá coisas novas a se fazer. Basta que não se tenha medo de experimentar. A segunda estratégia consiste em reviver as memórias das primeiras experiências juntos. Alguns casais fazem isso revisitando periodicamente a cidade onde passaram a lua-de-mel, ou lugares que recordam bons momentos que passaram juntos; outros gostam apenas de olhar as fotos desses momentos, ou quem sabe coloca-las em um porta-retratos onde estejam sempre visíveis para que aquele momento não fuja da memória. Essa estratégia pode ser mais fácil que a primeira, mas também é mais traiçoeira do que aparenta de início. O fato é que alguns relacionamentos só se mantem pela nostalgia de um passado feliz. E como a memória é uma constante reconstrução do passado (e não a sua mera recordação), ninguém poderá dizer que eles foram realmente felizes no passado. Nem eles mesmos. Ou se essas recordações felizes são uma (re)construção que visa apenas afastar a infelicidade do presente. O curioso é que, muitas vezes, essas estratégias são usadas inconscientemente. O casal está apenas buscando recuperar aquilo que ele acha que perdeu pelo caminho, depois de muito tempo vivendo juntos.
Obviamente que a minha intenção nesse texto não é dar conselhos para melhorar a vida a dois. Eu talvez seja a última pessoa para quem se deve pedir esse tipo de conselho, aliás. Mas o que eu sei é que se não estivermos preparados para enfrentar a rotina e os altos e baixos da vida a dois, vai ser muito fácil deixar o relacionamento naufragar diante das tarefas cotidianas infinitamente repetidas. Talvez seja por isso que muitos relacionamentos não têm um fim formal. Eles se acabam aos poucos sem que nenhum dos dois lados perceba.

sábado, 8 de março de 2014

RECALQUE E UMBIGUISMO

Se você circula regularmente pelas redes sociais, já deve ter visto algum de seus contatos compartilhar posts aconselhando às pessoas que cuidem das suas próprias vidas. Frases de efeito acompanhadas de imagens engraçadinhas do tipo: “Deus deu a vida para cada um cuidar da sua”, “Pra você que toma conta da minha vida, as contas desse mês já chegaram” e outras que tais. É fato que as redes sociais se tornaram um excelente veículo de informação sobre a vida dos outros. Mas, se você concordou em tornar a sua vida pública, colocando nas redes sociais os mínimos detalhes da sua rotina (desde o cardápio do seu almoço até a cor da sua calcinha do dia), e fazendo questão de alardear o quanto é feliz e o quanto a sua vida é maravilhosa, não deveria reclamar de que as pessoas tomem conta da sua vida, não é mesmo? Principalmente se você faz isso justamente para gerar inveja em determinadas pessoas. Há uma solução muito fácil para esse “problema” nas configurações de privacidade de qualquer rede social.


Outro fenômeno da mesma natureza que se popularizou nos últimos meses foi o uso indiscriminado do termo “recalque”. Um uso que não tem nada a ver, por exemplo, com a forma como Freud conceituou o termo. Segundo o médico austríaco, o recalque ou recalcamento é um processo psíquico no qual o sujeito rejeita ideias ou lembranças que não aceita, enviando-os para o inconsciente como forma de evitar conflitos que poderiam gerar angústias. O conceito é um dos fundamentos da psicanálise, criada por Freud. Nas redes sociais, o termo perde a sua complexidade e é utilizado apenas como (mais um) sinônimo para inveja. Porém, a impressão que me passa é que qualquer opinião divergente é qualificada como “recalque”: Se eu não concordo com o resultado de uma partida de futebol é recalque porque meu time perdeu; se eu não concordo com o resultado do desfile das Escolas de Samba, da mesma forma, é recalque porque minha agremiação ficou em 10º lugar; se eu não concordo com o comportamento de determinada pessoa é recalque porque na verdade eu queria ser como ela; se eu não gosto de determinada música, ou comida, ou cor, ou o que quer que seja, é recalque porque... porque é recalque e pronto!


Dois exemplos de músicas que estão estouradas nas rádios também tomam a inveja como seu tema principal. A primeira é o Show das Poderosas, interpretada pela “cantora” Anitta. A letra, que não é muito longa, parece não fazer muito sentido quando analisada à luz da lógica argumentativa. Mas com um pouco de esforço é possível pegar a sua ideia central. Não é nada mais do que um autoelogio, onde a autora diz que atrai inveja pela sua maestria na dança. Segundo ela, o baile para para vê-la dançando e as invejosas ficam “babando” e ao mesmo tempo humilhadas por serem expulsas (do baile? Da pista? Não fica claro). O segundo exemplo é a música Beijinho no Ombro, interpretada pela “cantora” Valesca Popozuda. Na letra, a autora afirma que tem não apenas invejosas, mas “inimigas”! A quem ela deseja vida longa para que possam assistir a sua vitória (em tempo, essa é uma frase antiga, dita por alguma personalidade histórica que eu não consegui descobrir quem é devido à multiplicidade de referências a ela que se encontra hoje na internet por culpa da popularidade da própria música). Ao longo da letra, as “inimigas” da autora são chamadas também de invejosas, recalcadas, cachorras e piriguetes. Para arrematar com um pouco de violência, a autora ainda chama os seus desafetos para um acerto de contas (“Bateu de frente é só tiro, porrada e bomba”).
Se pensarmos nas redes sociais como um retrato da sociedade, chegaremos à conclusão que vivemos em uma sociedade formada por pessoas infelizes e frustradas, que passam boa parte do seu tempo tomando conta da vida dos outros e esquecendo a sua própria. Não estou negando que haja esse tipo de pessoas. Mas, se prestarmos bastante atenção aos discursos anti-inveja, perceberemos que são em sua imensa maioria discursos auto-referenciais, onde aquele que reclama de ser invejado tem a certeza de ser o centro das preocupações de outras pessoas. Para ele, a inveja daqueles que não têm ou não são aquilo que ele tem ou é se torna uma preocupação constante que pode chegar às raias da obsessão. O que, curiosamente, acaba por inverter as posições. Porque se você está muito preocupado com o que uma pessoa pensa de você ou fala sobre você, significa que é você que na verdade está tomando conta da vida dessa outra pessoa. Há por parte dessas pessoas a expressão de um sentimento de superioridade que talvez seja tão ou mais nocivo para a vida em sociedade do que a própria inveja. Essa sensação de ser constantemente perseguido pela inveja, de ter sempre alguém tomando conta da sua vida, me parece a expressão de uma personalidade profundamente egocêntrica. Onde as pessoas fazem um conceito tão alto de si próprias que chegam a achar que o passatempo predileto de outras pessoas é invejá-las. É o que popularmente se chama de “umbiguismo”. Essas pessoas tem a certeza de que o universo gira ao seu redor. Todos querem ser como ela, ter o que ela conquistou. E o que ela é ou o que ela conquistou, muitas vezes, não passa de ilusões criadas por esse mesmo egocentrismo, assim como ilusória é a inveja que ela desperta. Essas pessoas só conseguem enxergar as outras como uma ameaça ou como o inimigo, de quem elas fingem querer distância. Fingem sim, porque na verdade o sentimento de ser invejado alimenta o seu egocentrismo. E, por isso, elas não tomam a simples medida de alterar as configurações de privacidade das suas redes sociais, afastando olhares indesejados da sua felicidade.
Dessa forma, pela quantidade de vezes que vejo postagens anti-inveja nas redes sociais e pelo sucesso de músicas como as duas que eu citei, eu tenho a sensação bastante palpável de que vivemos hoje não em uma sociedade de pessoas frustradas e invejosas, mas em uma sociedade de pessoas profundamente autocentradas e egocêntricas. O que pode ser muito pior. Não tenha medo de sentir inveja. Se bem trabalhada, a inveja pode servir como estímulo para alcançar grandes realizações. Mas tenha muito medo de ser egocêntrico, de achar que o mundo gira em torno de você. Que o baile para só pra te ver dançando.  


sexta-feira, 7 de março de 2014

APRESENTAÇÃO

Certamente, em algum momento de uma conversa informal de bar com amigos, alguém já virou para você e perguntou: “você já parou para pensar sobre...?” ou “você já parou para pensar que...?”. E, possivelmente, você olhou surpreso para o seu amigo e respondeu: “é verdade, eu nunca tinha pensado nisso!”.  Pois é, o fato é que algumas pessoas nunca pararam para pensar sobre determinados assuntos. E quando eu falo em “parar para pensar” não estou falando em uma análise superficial de poucos minutos, cujo único resultado é reafirmar as certezas que já se tinha previamente. Estou falando em passar algum tempo (meses, talvez anos) analisando um assunto profundamente e radicalmente. Ou seja, chegando até a sua raiz. Questionando o que sabemos sobre aquele assunto, trazendo mais lenha para a fogueira, lendo livros e fazendo relações com outros assuntos. Quantas pessoas será que pensam verdadeiramente sobre algum assunto hoje em dia. Em vez de se contentar com meras análises superficiais, geralmente feitas por terceiros. Algumas (muitas) pessoas, desgraçadamente, nunca pararam para pensar sobre assunto nenhum. Não pensam sequer antes de falar. Simplesmente têm preguiça de pensar. E, infelizmente, essa indigência mental tem se tornado um traço característico na nossa sociedade. Mas isso é assunto para outro post.

Eu também, certamente, nunca parei para pensar sobre diversos assuntos. Simplesmente porque muitos assuntos não me interessam. Mas, o fato é que, acerca daquilo que é do meu interesse, eu nunca paro de pensar. O meu cérebro deve ter vindo com defeito de fabricação, sem o botão de desligar. Porque eu penso o tempo todo. Óbvio que isso tem seu lado bom e seu lado ruim. Às vezes, por exemplo, é difícil de pegar no sono porque minha cabeça faz muito barulho. Pelo mesmo motivo, por vezes também não consigo ouvir o que as outras pessoas dizem. E quando o assunto não é do meu interesse então, eu me perco quase imediatamente nos meus pensamentos e me desligo completamente do mundo ao meu redor. Às vezes a cabeça fica tão cheia de pensamentos que eu tenho a necessidade de colocar alguns no papel. Eu raramente paro para pensar, porque não preciso. É o meu default. Mas preciso periodicamente parar para escrever. Esse é o motivo desse blog. Colocar no papel virtual algumas das reflexões que circulam pela minha cabeça. Acreditando piamente que escrever é colocar ordem no caos dos pensamentos, espero que meus pensamentos possam fazer mais gente parar para pensar. E também para escrever.